Sunday, February 26, 2012

Criação de Novos Cardeais / Creation Of New Cardinals


CONSISTÓRIO ORDINÁRIO PÚBLICO PARA A CRIAÇÃO DE NOVOS CARDEAIS
E PELO VOTO DE ALGUMAS CAUSAS DE CANONIZAÇÃO

DISCURSO DO PAPA BENTO XVI

Basílica Vaticana
Sábado, 18 de Fevereiro de 2012

«Tu es Petrus, et super hanc petram ædificabo Ecclesiam meam».

Venerados Irmãos,
Amados irmãos e irmãs!

Com estas palavras do cântico de entrada, teve início o rito solene e sugestivo do Consistório Ordinário Público para a criação dos novos Cardeais, que inclui a imposição do barrete cardinalício, a entrega do anel e a atribuição do título. Trata-se das palavras com que Jesus constituiu, eficazmente, Pedro como firme alicerce da Igreja. E o factor qualificativo deste alicerce é a fé: realmente Simão torna-se Pedro – rocha – por ter professado a sua fé em Jesus, Messias e Filho de Deus. Quando anuncia Cristo, a Igreja está ligada a Pedro, e Pedro permanece colocado na Igreja como rocha; mas, quem edifica a Igreja, é o próprio Cristo, sendo Pedro um elemento particular da construção. E deve sê-lo por meio da fidelidade à sua confissão feita junto de Cesareia de Filipe, ou seja, em virtude da afirmação: «Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo».
As palavras, que Jesus dirige a Pedro, põem claramente em destaque o carácter eclesial da celebração de hoje. De facto, através da atribuição do título duma igreja desta Cidade [de Roma] ou duma diocese suburbicária, os novos Cardeais ficam, para todos os efeitos, inseridos na Igreja de Roma guiada pelo Sucessor de Pedro, para cooperar estreitamente com ele no governo da Igreja universal. Estes dilectos Irmãos, que dentro de momentos começarão a fazer parte do Colégio Cardinalício, unir-se-ão, por vínculos novos e mais fortes, não só com o Pontífice Romano mas também com toda a comunidade dos fiéis espalhada pelo mundo inteiro. Com efeito, no desempenho do seu peculiar serviço de apoio ao ministério petrino, os neo-purpurados serão chamados a analisar e avaliar os casos, os problemas e os critérios pastorais que dizem respeito à missão da Igreja inteira. Nesta delicada tarefa, servir-lhes-á de exemplo e ajuda o testemunho de fé prestado pelo Príncipe dos Apóstolos, com a sua vida e morte, pois, por amor de Cristo, deu-se inteiramente até ao sacrifício extremo.
É com este significado que se deve entender também a imposição do barrete vermelho. Aos novos Cardeais, é confiado o serviço do amor: amor a Deus, amor à sua Igreja, amor aos irmãos com dedicação absoluta e incondicional – se for necessário – até ao derramamento do sangue, como diz a fórmula para a imposição do barrete cardinalício e como indica a cor vermelha das vestes que trazem. Além disso, é-lhes pedido que sirvam a Igreja com amor e vigor, com a clareza e a sabedoria dos mestres, com a energia e a fortaleza dos pastores, com a fidelidade e a coragem dos mártires. Trata-se de ser servidores eminentes da Igreja, que encontra em Pedro o fundamento visível da unidade.
No texto evangélico há pouco proclamado, Jesus apresenta-Se como servo, oferecendo-Se como modelo a imitar e a seguir. No cenário de fundo do terceiro anúncio da paixão, morte e ressurreição do Filho do Homem, sobressai, pelo seu clamoroso contraste, a cena dos dois filhos de Zebedeu, Tiago e João, que, ao lado de Jesus, ainda correm atrás de sonhos de glória. Pediram-Lhe: «Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda» (Mc 10, 37). Contundente é a resposta de Jesus, e inesperada a sua pergunta: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu bebo?» (Mc 10, 38). A alusão é claríssima: o cálice é o da paixão, que Jesus aceita para cumprir a vontade do Pai. O serviço a Deus e aos irmãos, a doação de si mesmo: esta é a lógica que a fé autêntica imprime e gera na nossa existência quotidiana, mas que está em contradição com o estilo mundano do poder e da glória.
Com o seu pedido, Tiago e João mostram que não compreendem a lógica de vida que Jesus testemunha, aquela lógica que deve – segundo o Mestre –caracterizar o discípulo no seu espírito e nas suas acções. E a lógica errada não reside só nos dois filhos de Zebedeu, mas, segundo o evangelista, contagia também «os outros dez» apóstolos, que «começaram a indignar-se contra Tiago e João» (Mc 10, 41). Indignam-se, porque não é fácil entrar na lógica do Evangelho, deixando a do poder e da glória. São João Crisóstomo afirma que ainda eram imperfeitos os apóstolos todos: tanto os dois que procuravam obter precedência sobre os outros dez, como os dez que tinham inveja dos dois (cf. Comentário a Mateus, 65, 4: PG 58, 622). E São Cirilo de Alexandria, ao comentar passagens paralelas no Evangelho de Lucas, acrescenta: «Os discípulos caíram na fraqueza humana e puseram-se a discutir uns com os outros qual deles seria o chefe, ficando superior aos outros. (…) Isto aconteceu e foi-nos narrado para nosso proveito. (…) O que sucedeu aos santos Apóstolos pode revelar-se, para nós, um estímulo à humildade» (Comentário a Lucas, 12, 5, 24: PG 72, 912). Este episódio deu ocasião a Jesus para Se dirigir a todos os discípulos e «chamá-los a Si», de certo modo para os estreitar a Si, a fim de formarem como que um corpo único e indivisível com Ele, e indicar qual é a estrada para se chegar à verdadeira glória, a de Deus: «Sabeis como aqueles que são considerados governantes das nações fazem sentir a sua autoridade sobre elas, e como os grandes exercem o seu poder. Não deve ser assim entre vós. Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo, e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos» (Mc 10, 42-44).
Domínio e serviço, egoísmo e altruísmo, posse e dom, lucro e gratuidade: estas lógicas, profundamente contrastantes, defrontam-se em todo o tempo e lugar. Não há dúvida alguma sobre a estrada escolhida por Jesus: e não Se limita a indicá-la por palavras aos discípulos de ontem e de hoje, mas vive-a na sua própria carne. Efectivamente explica: «Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua via em resgate por muitos» (Mc 10, 45). Estas palavras iluminam, com singular intensidade, o Consistório público de hoje. Ecoam no fundo da alma e constituem um convite e um apelo, um legado e um encorajamento especialmente para vós, amados e venerados Irmãos que estais para ser incluídos no Colégio Cardinalício.
Segundo a tradição bíblica, o Filho do Homem é aquele que recebe de Deus o poder e o domínio (cf. Dn 7, 13-14). Jesus interpreta a sua missão na terra, sobrepondo à figura do Filho do Homem a imagem do Servo sofredor descrita por Isaías (cf. Is 53, 1-12). Ele recebe o poder e a glória apenas enquanto «servo»; mas é servo na medida em que assume sobre Si o destino de sofrimento e de pecado da humanidade inteira. O seu serviço realiza-se na fidelidade total e na plena responsabilidade pelos homens. Por isso, a livre aceitação da sua morte violenta torna-se o preço de libertação para muitos, torna-se o princípio e o fundamento da redenção de cada homem e de todo o género humano.

Amados Irmãos que estais para ser inscritos no Colégio Cardinalício! Que a doação total de Si mesmo, feita por Cristo na cruz, vos sirva de norma, estímulo e força para uma fé que actua na caridade. Que a vossa missão na Igreja e no mundo se situe sempre e só «em Cristo» e corresponda à sua lógica e não à do mundo, sendo iluminada pela fé e animada pela caridade que nos vem da Cruz gloriosa do Senhor. No anel que daqui a pouco vos entregarei, aparecem representados São Pedro e São Paulo e, no centro, uma estrela que evoca Nossa Senhora. Trazendo este anel, sois convidados diariamente a recordar o testemunho de Cristo que os dois Apóstolos deram até ao seu martírio aqui em Roma, tornando assim fecunda a Igreja com o seu sangue. Por sua vez a evocação da Virgem Maria constituirá para vós um convite incessante a seguir Aquela que permaneceu firme na fé e serva humilde do Senhor.
Ao concluir esta breve reflexão, quero dirigir a minha grata e cordial saudação a todos vós aqui presentes, particularmente às Delegações oficiais de diversos Países e aos Representantes de numerosas dioceses. No seu serviço, os novos Cardeais são chamados a permanecer fiéis a Cristo, deixando-se guiar unicamente pelo seu Evangelho. Amados irmãos e irmãs, rezai para que possa reflectir-se ao vivo neles o Senhor Jesus, o nosso único Pastor e Mestre e a fonte de toda a sabedoria que indica a estrada a todos. E rezai também por mim, para que sempre possa oferecer ao Povo de Deus o testemunho da doutrina segura e reger, com suave firmeza, o timão da santa Igreja.
Amen.

ORDINARY PUBLIC CONSISTORY FOR THE CREATION OF NEW CARDINALS
AND FOR THE VOTE ON SEVERAL CAUSES OF CANONIZATION

ADDRESS OF HIS HOLINESS BENEDICT XVI

Vatican Basilica
Saturday, 18 February 2012

«Tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam».

Venerable Brothers,
Dear Brothers and Sisters,

With these words the entrance hymn has led us into the solemn and evocative ritual of the ordinary public Consistory for the creation of new Cardinals, with the placing of the biretta, the handing over of the ring and the assigning of a titular church. They are the efficacious words with which Jesus constituted Peter as the solid foundation of the Church. On such a foundation the faith represents the qualitative factor: Simon becomes Peter – the Rock – in as much as he professed his faith in Jesus as Messiah and Son of God. In the proclamation of Christ the Church is bound to Peter and Peter is placed in the Church as a rock; although it is Christ himself who builds up the Church, Peter must always be a constitutive element of that upbuilding. He will always be such through faithfulness to his confession made at Caesarea Philippi, in virtue of the affirmation, “You are the Christ, the Son of the living God”.
The words Jesus addressed to Peter highlight well the ecclesial character of today’s event. The new Cardinals, in receiving the title of a church in this city or of a suburban Diocese, are fully inserted in the Church of Rome led by the Successor of Peter, in order to cooperate closely with him in governing the universal Church. These beloved Brothers, who in a few minutes’ time will enter and become part of the College of Cardinals, will be united with new and stronger bonds not only to the Roman Pontiff but also to the entire community of the faithful spread throughout the world. In carrying out their particular service in support of the Petrine ministry, the new Cardinals will be called to consider and evaluate the events, the problems and the pastoral criteria which concern the mission of the entire Church. In this delicate task, the life and the death of the Prince of the Apostles, who for love of Christ gave himself even unto the ultimate sacrifice, will be an example and a helpful witness of faith for the new Cardinals.
It is with this meaning that the placing of the red biretta is also to be understood. The new Cardinals are entrusted with the service of love: love for God, love for his Church, an absolute and unconditional love for his brothers and sisters, even unto shedding their blood, if necessary, as expressed in the words of placing the biretta and as indicated by the colour of their robes. Furthermore, they are asked to serve the Church with love and vigour, with the transparency and wisdom of teachers, with the energy and strength of shepherds, with the fidelity and courage of martyrs. They are to be eminent servants of the Church that finds in Peter the visible foundation of unity.
In the Gospel we have just heard proclaimed there is offered a model to imitate and to follow. Against the background of the third prediction of the Passion, death and resurrection of the Son of Man, and in profound contrast to it, is placed the scene of the two sons of Zebedee, James and John, who are still pursuing dreams of glory beside Jesus. They ask him, “Grant us to sit, one at your right hand and one at your left, in your glory” (Mk 10:37). The response of Jesus is striking, and he asks an unexpected question: “You do not know what you are asking. Are you able to drink the cup that I drink?” (Mk 10:38). The allusion is crystal clear: the chalice is that of the Passion, which Jesus accepts as the will of God. Serving God and others, self-giving: this is the logic which authentic faith imparts and develops in our daily lives and which is not the type of power and glory which belongs to this world.
By their request, James and John demonstrate that they do not understand the logic of the life to which Jesus witnesses, that logic which – according to the Master – must characterize the disciple in his spirit and in his actions. The erroneous logic is not the sole preserve of the two sons of Zebedee because, as the evangelist narrates, it also spreads to “the other ten” apostles who “began to be indignant at James and John” (Mk 10:41). They were indignant, because it is not easy to enter into the logic of the Gospel and to let go of power and glory. Saint John Chrysostom affirms that all of the apostles were imperfect, whether it was the two who wished to lift themselves above the other ten, or whether it was the ten who were jealous of them (“Commentary on Matthew”, 65, 4: PG 58, 619-622). Commenting on the parallel passages in the Gospel of Luke, Saint Cyril of Alexandria adds, “The disciples had fallen into human weakness and were discussing among themselves which one would be the leader and superior to the others… This happened and is recounted for our advantage… What happened to the holy Apostles can be understood by us as an incentive to humility” (“Commentary on Luke”, 12, 5, 24: PG 72, 912). This episode gives Jesus a way to address each of the disciples and “to call them to himself”, almost to pull them in, to form them into one indivisible body with him, and to indicate which is the path to real glory, that of God: “You know that those who are supposed to rule over the Gentiles lord it over them, and their great men exercise authority over them. But it shall not be so among you; but whoever would be great among you must be your servant, and whoever would be first among you must be slave of all” (Mk 10:42-44).
Dominion and service, egoism and altruism, possession and gift, self-interest and gratuitousness: these profoundly contrasting approaches confront each other in every age and place. There is no doubt about the path chosen by Jesus: he does not merely indicate it with words to the disciples of then and of today, but he lives it in his own flesh. He explains, in fact, “For the Son of man also came not to be served but to serve, and to give his life as a ransom for many” (Mk 10:45). These words shed light upon today’s public Consistory with a particular intensity. They resound in the depths of the soul and represent an invitation and a reminder, a commission and an encouragement especially for you, dear and venerable Brothers who are about to be enrolled in the College of Cardinals.
According to biblical tradition, the Son of man is the one who receives power and dominion from God (cf. Dan 7:13f). Jesus interprets his mission on earth by combining the figure of the Son of man with that of the suffering Servant, described in Isaiah (cf. 53:1-12). He receives power and the glory only inasmuch as he is “servant”; but he is servant inasmuch as he welcomes within himself the fate of the suffering and the sin of all humanity. His service is realized in total faithfulness and complete responsibility towards mankind. In this way the free acceptance of his violent death becomes the price of freedom for many, it becomes the beginning and the foundation of the redemption of each person and of the entire human race.

Dear Brothers who are to be enrolled in the College of Cardinals, may Christ’s total gift of self on the Cross be for you the foundation, stimulus and strength of a faith operative in charity. May your mission in the Church and the world always be “in Christ” alone, responding to his logic and not that of the world, and may it be illumined by faith and animated by charity which comes to us from the glorious Cross of the Lord. On the ring which I will soon place on your finger, are represented Saints Peter and Paul, and in the middle a star which evokes the Mother of God. Wearing this ring, you are reminded each day to remember the witness which these two Apostles gave to Christ even unto martyrdom here in Rome, their blood making the Church fruitful. The example of the Virgin Mother will always be for you an invitation to follow her who was strong in faith and a humble servant of the Lord.
As I bring these brief reflections to a close, I would like to extend warm greetings and thanks to all present, especially to the official Delegations from various countries and to the various diocesan groups. The new Cardinals, in their service, are called to remain faithful to Christ at all times, letting themselves be guided only by his Gospel. Dear brothers and sisters, pray that their lives will always reflect the Lord Jesus, our sole shepherd and teacher, source of every hope, who points out the path to everyone. And pray also for me, that I may continually offer to the People of God the witness of sound doctrine and guide holy Church with a firm and humble hand. Amen. 

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